terça-feira, 25 de novembro de 2014

Temporaneidade



Pequena partícula
Empurrada pelo passado,
que vem roendo o futuro
Presente.
Presente comprimido
Em que se perdeu o valor
da experiência.
Da memória
Sentimento de continuidade da existência
Prolonga o antes e o depois,
prolonga a duração
O tempo.

Descontinuidade do encontro
De viver em um tempo que não passa.
Depressão
Ausência de um depois
preenchido pela fantasia
Futuro
Falta de muito
Pouquidão.

Continuidade do desencontro
Em um presente absoluto
onde não há duração nem transmissão,
Que não produz narrativa.
Vivência
sem signos, sem marcas, sem memória...
Obra
(psíquica)
de sucessivas épocas do espaço
entre o nascimento e a morte
Não há
A rapsódia da vida benjaminiana.

Autor e ideia,
polinizados pelo tempo,
Extemporâneos.
Seu pensar templábil,
tempostábil.
Trabalho dedicado ao tempo virado
Reverso e revisitado
Trans  (f)
        (t)   ornado.

Tempo disso, tempo daquilo
Tempo de nada.
Divisão dos compassos
Vida em dois, em três
Ser em quatro paredes
Ser a prazo
Não ser.
Já se sabe desarranjado
Em batidas descompassado
Tempo de espera,
nas horas
de ver as efêmeras
Coragens
em sobreviver.

Quando farto,
Ação
preenche o objeto;
Quando vazio,
Negação
que constitui o sujeito.
Quando pleno,
elide sujeito e objeto
– O pior já passou,
e foram
Os melhores anos da minha vida.

Purgatório das lembranças
O tempo

Mais pesa sobre as costas dos que menos o tem
E também dos que o abundam,
dos que desperdiçam
Quando o perdem,
quando o ganham.

Tempo não se possui
Tempo está
Tempo é.

Mas que brutalidade dizer, dele,
que é dinheiro.
Justo ele,
que é o tecido de nossas vidas.
O tempo

domingo, 24 de agosto de 2014

A Outra de Mim Mesmo



 O nome de uma mulher me delata.
Dói-me uma mulher por todo o corpo.


Ela diz algo de mim, eu digo algo dela
É ela parte de mim, sou eu parte Ela.

Depois dos anos de amor inefável
Saber quem é quem se torna intangível.

Claro que eu sou, ela é, eu é, ela sou
Mas, sobretudo, somos.

Conta-se junto horas, dias, meses
Passamos a ser a medida de nosso tempo.

Tempo e espaço: sem suspeitar,
A corporeidade também nos é feita sob medida.

Na plena confusão de nossos seres
A paixão nos engajou na procura de um impossível.

Na fusão de nossos corpos
Encontramos a continuidade
Perdida de uma vida descontínua.

No infinito de nós dois
A ansiedade e o alívio de ouvir tua voz,
Falando devagarinho, chorando bem de mansinho.

Perto o bastante para sentir
Piscarem os olhos.

De pálpebras cerradas, entrever seu sorriso e suas tramas
Sorver o fel da dúvida, da infinita volubilidade.

A constância da lembrança daquele olhar
Primordial, cuja promessa eternal se desdobra

No caminho além do desejo e do ato
À alegre hora do beijo e do assalto.

Corpos trançados de esperança e esforço,
Enlaçamo-nos e nos desesperamos.

A beleza para além da receita
Cor do terceiro minuto da aurora

A espera e a memória: “é, já sei, o amor”.
Para a sede e para a fome, o fruto
O milagre para a ruína e o luto.

Cuja rima com dor mora na filosofia,
Alcova dos desabrigados, enlevados
De que tudo isso seja sem ser.

O amor não segue em linha reta
Não há fartura para semideuses.
Sua paixão, em razão da cegueira,
Fatal, mata e faz nascer; (re)nascer.

Começo e recomeço se confundem num tropeço,
Na fumaça de um futuro que não foi.
Buscar o avesso do desamor,
E encontrá-lo no avesso do avesso do amor.

Ante as palavras, antes, inauditas
Canto num silêncio crepuscular
O que resta dos quereres da vida
Que, bem longe dali, vai se acabar.

O poente do meu ser
Repousa em mim mesmo nesta hora.

Que só vai,
Se for pra ver

Aquela cor, só encontrável
No terceiro minuto da aurora.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Outra Presença


Eu deixarei em mim
Qualquer coisa como a luz e a vida da tua ausência
Tão fora de mim.
Com afeto, e sem açúcar,
Coleciono a medida de nosso tempo nos álbuns, nos retratos
Nestes versos
Regados na plenitude com o que de mais cândido pôde haver.
Como era bom
Sentir o coração bater na ponta dos dedos
E com eles tocar tua face
Com o olhar, me afogar em teus olhos
O desejo de amar em paz dentro da forma inexistente
De suas mitologias, suas pequenas magias inúteis.
Eu fui o grande íntimo da tua noite
Desabrochada, partes para o dia
As raízes como que fumaça
Lá se vai a mulher que passa
E que tanto passou por minha morada.
Te queria quando choras, enquanto chorávamos de rir
Amamos na dor, sofremos no amor
Crescemos juntos e, tão próximos, nos distanciamos
Erramos. Ferimos.
Te perdôo no passado e no futuro
Por seres a fera, a quimera
Que me colocou em tantos cavalos
E em tantos túmulos.
Foste a ruína e a alegria, em construir e destruir
Tudo o que fizemos nas nuvens
Voamos alto. Mais longe que o acima do além!
E como acrobatas, caímos.
E nos perdemos
Entre a espuma de nossos dias.
Tua voz presente, ora ausente,
Serenizada.
Na estrada, aos passos
Fôssemos mais, e talvez não seríamos
Pois pudemos ser tudo o que quisermos.
Não escolhemos o brilho eterno de nossas lembranças
Deixemos à memória a tarefa de esquecer, e não à vontade
Cega e insaciável.
O que éramos, resto em tudo que sou, para ainda muito ser
E o outro resto passará
Passarão.
E nós, voando, passarinho.