domingo, 24 de agosto de 2014

A Outra de Mim Mesmo



 O nome de uma mulher me delata.
Dói-me uma mulher por todo o corpo.


Ela diz algo de mim, eu digo algo dela
É ela parte de mim, sou eu parte Ela.

Depois dos anos de amor inefável
Saber quem é quem se torna intangível.

Claro que eu sou, ela é, eu é, ela sou
Mas, sobretudo, somos.

Conta-se junto horas, dias, meses
Passamos a ser a medida de nosso tempo.

Tempo e espaço: sem suspeitar,
A corporeidade também nos é feita sob medida.

Na plena confusão de nossos seres
A paixão nos engajou na procura de um impossível.

Na fusão de nossos corpos
Encontramos a continuidade
Perdida de uma vida descontínua.

No infinito de nós dois
A ansiedade e o alívio de ouvir tua voz,
Falando devagarinho, chorando bem de mansinho.

Perto o bastante para sentir
Piscarem os olhos.

De pálpebras cerradas, entrever seu sorriso e suas tramas
Sorver o fel da dúvida, da infinita volubilidade.

A constância da lembrança daquele olhar
Primordial, cuja promessa eternal se desdobra

No caminho além do desejo e do ato
À alegre hora do beijo e do assalto.

Corpos trançados de esperança e esforço,
Enlaçamo-nos e nos desesperamos.

A beleza para além da receita
Cor do terceiro minuto da aurora

A espera e a memória: “é, já sei, o amor”.
Para a sede e para a fome, o fruto
O milagre para a ruína e o luto.

Cuja rima com dor mora na filosofia,
Alcova dos desabrigados, enlevados
De que tudo isso seja sem ser.

O amor não segue em linha reta
Não há fartura para semideuses.
Sua paixão, em razão da cegueira,
Fatal, mata e faz nascer; (re)nascer.

Começo e recomeço se confundem num tropeço,
Na fumaça de um futuro que não foi.
Buscar o avesso do desamor,
E encontrá-lo no avesso do avesso do amor.

Ante as palavras, antes, inauditas
Canto num silêncio crepuscular
O que resta dos quereres da vida
Que, bem longe dali, vai se acabar.

O poente do meu ser
Repousa em mim mesmo nesta hora.

Que só vai,
Se for pra ver

Aquela cor, só encontrável
No terceiro minuto da aurora.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Outra Presença


Eu deixarei em mim
Qualquer coisa como a luz e a vida da tua ausência
Tão fora de mim.
Com afeto, e sem açúcar,
Coleciono a medida de nosso tempo nos álbuns, nos retratos
Nestes versos
Regados na plenitude com o que de mais cândido pôde haver.
Como era bom
Sentir o coração bater na ponta dos dedos
E com eles tocar tua face
Com o olhar, me afogar em teus olhos
O desejo de amar em paz dentro da forma inexistente
De suas mitologias, suas pequenas magias inúteis.
Eu fui o grande íntimo da tua noite
Desabrochada, partes para o dia
As raízes como que fumaça
Lá se vai a mulher que passa
E que tanto passou por minha morada.
Te queria quando choras, enquanto chorávamos de rir
Amamos na dor, sofremos no amor
Crescemos juntos e, tão próximos, nos distanciamos
Erramos. Ferimos.
Te perdôo no passado e no futuro
Por seres a fera, a quimera
Que me colocou em tantos cavalos
E em tantos túmulos.
Foste a ruína e a alegria, em construir e destruir
Tudo o que fizemos nas nuvens
Voamos alto. Mais longe que o acima do além!
E como acrobatas, caímos.
E nos perdemos
Entre a espuma de nossos dias.
Tua voz presente, ora ausente,
Serenizada.
Na estrada, aos passos
Fôssemos mais, e talvez não seríamos
Pois pudemos ser tudo o que quisermos.
Não escolhemos o brilho eterno de nossas lembranças
Deixemos à memória a tarefa de esquecer, e não à vontade
Cega e insaciável.
O que éramos, resto em tudo que sou, para ainda muito ser
E o outro resto passará
Passarão.
E nós, voando, passarinho.